Um construtor de afectos

Um construtor de afectos

A vida do Mário Zambujal só não dava um livro porque já deu vários, e bons. Podia, aliás, começar pelo lado mais fácil e mais óbvio do “bom malandro”, rótulo que se lhe colou à pele desde que, já lá vão mais de 40 anos, criou uma divertida comédia em forma de romance sobre os feitos e defeitos de uma quadrilha de pequenos e médios gangsters de bairro com aspirações honestas.

O book foi um tremendo sucesso nesse já longínquo ano de 1980, deu um filme logo a seguir, teve reedições sucessivas, e continua aí para deleite de quem o quer ler. E ver, pois que ainda agora voltou aos ecrãs em formato de série de televisão. Mérito dos protagonistas – como resistir às peripécias do Renato e da Marlene, do Silvino Bitoque e da Adelaide Magrinha, do Arnaldo Figurante e da Lina Despachada? – mas sobretudo virtude de quem lhes deu vida no papel. O Mário, claro, artífice de palavra honrada, camarada de respeito, homem sério e a sério mesmo quando se diverte e nos diverte como só ele é capaz.

Trago esse livro inicial de Mário Zambujal à colação porque foi mais ou menos por essa altura que o conheci. Conheci em carne e osso, digamos assim, porque ele era já então uma figura de referência do jornalismo, e eu não passava de um jovem repórter à procura de voz própria. Nesse tempo em que os jornalistas sabiam ler e escrever, o ofício não se aprendia nas universidades (hoje também não, mas isso é outra conversa), mas no convívio entre os velhos mestres e os jovens aprendizes, nas redacções e fora delas.

E foi com gente como o Mário que aprendi tudo o que sei da ética e da estética da profissão. Foram – e são – pessoas assim que me fizeram e fazem acreditar que, apesar de todos os desencantos e vilanias, este pode ser (deve ser) um mister honrado e capaz de contribuir, não digo que para mudar o mundo, mas pelo menos para fazer dele um lugar um pouco menos mau.

Além disso, o Mário é também um construtor de afectos e um organizador de cumplicidades como há poucos. A unanimidade raramente é uma coisa boa, mas o Mário deve ser das poucas pessoas de quem quase toda a gente gosta. Eu, que o conheço há uma eternidade, muito poucas vezes o vi zangado com alguém ou o ouvi dizer mal fosse de quem fosse. E se o fez foi sempre por razões maiores, porque a mesquinhez e o rancor e o oportunismo não fazem parte do seu ADN.

Celebrar o Mário com o Mário é, portanto, um acto de justiça, mas é também um prazer que devemos saborear longa e repetidamente, como é nossa obrigação quando temos a sorte e a felicidade de nos cruzar e de conviver com seres únicos e irrepetíveis. O Mário é definitivamente um desses, para bem de todos nós.

In Mário Zambujal - Homenagem à Vida e Obra

Textos de Adelaide Galhardo, Alberto S. Santos, Antonino de Sousa, António Macedo, António Vaz Pato, Bruno Santos, Cristina Ovídio, Fernando Alves, Germano Silva, Margarida Vilaça, Mário Zambujal, Teresa Matos e Viriato Teles.

Produção Boca - Palavras que alimentam.

Edição Escritaria, Câmara Municipal de Penafiel, 2021