Nasceu há 42 anos em Malange, filho de um transmontano e de uma angolana, e foi como se desde logo os deuses lhe marcassem o destino: a irmã Ana, uns anos mais velha e que seria também sua madrinha de baptismo, foi quem lhe escolheu o nome. Ficou Elvis, por influência de um cidadão de apelido Aaron Presley que então fazia furor entre miúdos e graúdos de todo o mundo, rendidos às artes atrevidas do homem de Memphis, Tennessee.
Por essa altura, Elvis, o Presley, encantava nas salas de cinema com «Viva Las Vegas» e «Roustabout», e levava milhões de fãs ao delírio um pouco por toda a parte. Os ecos de «Love Me Tender», «Jailhouse Rock» e «King Creole» ainda se faziam ouvir, e a família Veiguinha era particularmente sensível a estas melodias. Daí que a escolha da irmã não tenha merecido contestação: o mais jovem membro do clã ficou mesmo com o nome do rei do rock’n’roll.
Premonição relativamente àquilo que viria a ser o seu ofício? Elvis, o outro, sorri quando lhe faço a pergunta:
«A música está presente na minha vida desde sempre, muito graças aos meus irmãos», diz. «Lembro-me de ser miúdo e ir atrás deles para as festas de garagem, metia-me por detrás das aparelhagens. Se calhar vem daí a minha ligação a este lado mais técnico da música…»
A viver em Portugal desde o princípio dos anos 70, Elvis Veiguinha ligou-se desde muito cedo ao universo dos sons. Disc-jockey durante alguns anos, tornou-se realizador de Rádio no final dos anos 80 e estagiou na NBC, em Nova York, durante dois meses. Mas resistiu ao fascínio da cidade que nunca dorme:
«Nunca tive o apelo da imigração», diz. «Era tão fascinante o que aprendi lá – nomeadamente na área das técnicas digitais, de que ainda nada se sabia por cá – que o que me dava gozo era trazer tudo isso para cá.»
Hoje, Elvis Veiguinha é um dos mais produtores mais reconhecidos no meio musical e publicitário português. E também, seguramente, um daqueles cujo trabalho é mais ouvido, mesmo por quem ignora o nome do autor: foi ele quem concebeu e executou a maioria das identidades sonoras das grandes estações de televisão (Sport TV em 2000, SIC Notícias em 2000 e 2006, RTP 1 em 1996, 2002 3 2004, RTP 2 em 1996 e 2002, a NTV em 2003, a TVI em 2002, a SIC e todos os canais temáticos da estação de Carnaxide em 2006, a RTP Internacional, RTP África e RTP N em 2004) além de ser o responsável pela composição, produção musical e desenho de som de numerosas séries de televisão e documentários.
Produtor e autor de muitos jingles publicitários (são dele as músicas de algumas das principais campanhas da PT, por exemplo, mas também dos iogurtes Longa Vida, dos supermercados Modelo e Pingo Doce, do Sapo ADSL, entre muitas outras) foi por várias vezes premiado em Portugal e no estrangeiro. Mas apesar do já extenso currículo, Elvis não quer deixar-se deslumbrar:
«Não me considero propriamente um músico, um executante», afirma. «Sou mais um criador de sons, de ambientes sonoros. Faço música por encomenda, com finalidades específicas, e aí tenho a certeza de que sou um bom soldado.»
A publicidade e as bandas sonoras de filmes e séries de televisão são duas das vertentes mais estimulantes do trabalho de Elvis Veiguinha: «A publicidade obriga-nos a ter um raciocínio muito rápido, a encontrar soluções musicais para um curto espaço de tempo.»
Dos vários «papéis» que a profissão o obriga a desempenhar, é no de produtor que se sente mais ele próprio: «Acho que tenho uma grande capacidade apaziguadora, o que muitas vezes é importante neste trabalho: são processos desgastantes, levam muito tempo, as pessoas estão muito tempo fechadas num estúdio....»
Diz que não é «um músico de canções», mas ainda assim venceu em 2006 o Festival RTP da Canção, em parceria com José Manuel Afonso – apesar de não ser um habituée do Festival «nem sequer como espectador». Este ano voltou a ser convidado para concorrer, e não ficou nada surpreendido quando a sua canção perdeu para o tema assinado por Emanuel:
«Eu fui das pessoas que desde o princípio acharam que o Emanuel era um excelente candidato a vencer o Festival: basta ver a quantidade de discos de platina que ele já conseguiu para perceber que uma canção dele, com o estilo específico que ele tem, seria sempre uma séria candidata a ganhar um festival decidido por televoto.»
Para Elvis, o Festival foi apenas mais um capítulo da sua vida profissional, em que aceitou participar sobretudo por «respeito para com a RTP, que é minha cliente». Foi um desafio, interessante mas que não o desvia daquilo de que mais gosta:
«Gosto muito de cinema, e espero poder contribuir cada vez mais para o audiovisual português, mesmo sabendo que o cinema que se faz em Portugal não é aquele que as pessoas mais consomem», diz. «O meu objectivo é continuar a fazer coisas que me estimulem e que agradem às pessoas. Gosto muito de projectos novos, de coisas diferentes, de desafios.»
Lembra, a propósito, um dos grandes desafios profissionais que teve, quando foi encarregado de criar os ambientes sonoros da exposição sobre os 25 anos do 25 de Abril, na Cordoaria Nacional: «Havia uma série de situações que pareciam tecnicamente impossíveis de resolver e para que era preciso encontrar soluções. Foi um trabalho de meses e meses, mas deu um prazer enorme.»
Um prazer enorme. É assim que Elvis Veiguinha gosta de trabalhar, é só assim, garante, que sabe trabalhar: «Eu penso que o mais importante na vida é termos objectivos. E habituei-me a trabalhar desta maneira, por objectivos. Gosto de pegar num projecto que ainda não existe e fazê-lo chegar onde queremos que ele chegue. Gosto de fazer acontecer.»
Para breve, promete fazer acontecer mais coisas novas. E já está envolvido num «projecto alternativo muito consistente» na área do cinema: «É uma produção que não passa pelo ICAM, uma aposta nova, jovem, que sai um bocado do circuito do cinema português. Um thriller muito interessante, para estrear até ao fim do ano.»
Sorri perante a curiosidade do repórter: «Para já, é tudo o que posso dizer.» OK, Elvis, a gente fica à espera.
Revista Autores - Jan/Mar 2007