Portugal dos pequeninos

Portugal dos pequeninos

No dia em que morreu Óscar Lopes, a preocupação maior de parte significativa dos portugueses foi o fait-divers da contratação de José Sócrates como comentador político da RTP.

Na «mensagem de pesar» enviada à família do filólogo e mestre maior da língua pátria, o dr. Cavaco Silva refere-se-lhe como «historiador», relegando para segundo plano a sua obra maior como linguista, professor e crítico literário. Compreende-se: Óscar Lopes foi autor, com António José Saraiva, da mais importante História da Literatura Portuguesa. Cavaco, com o seu saber wikipédico de leitor de badanas, limitou-se a somar dois mais dois.

O país real, tão inculto como quem o dirige, não deu por nada, é claro. A populaça mais simples, tal como boa parte da restante, anda demasiado ocupada a exorcizar os fantasmas dos natais passados e entretém-se a subscrever «petições» e a organizar autos-de-fé contra a presença do ex-primeiro ministro na pantalha da televisão pública.

Enquanto isso, Passos, Relvas e Gaspar prosseguem alegremente na senda da destruição metódica dos direitos conquistados nas últimas quatro décadas. É mais fácil culpar o passado do que lutar pela transformação do presente. Mesmo que, para isso, se contrariem os princípios básicos da convivência democrática e se atropelem os direitos elementares dos cidadãos – todos os cidadãos, mesmo aqueles de que não gostamos – como é o caso do direito à livre expressão. Porque, ironicamente, é disso mesmo que se trata. E Sócrates fará decerto menos mal ao país como comentador da actualidade política do que como seu protagonista. Mas isso, pelos vistos, importa pouco.

A mobilização popular contra a presença do antigo primeiro-ministro na televisão só encontra paralelo no sururu gerado, semanas atrás, em defesa do cão Zico. Entretanto, uma petição contra a privatização da água não conseguiu, em vários meses, mais do que 25 mil assinaturas. E uma outra, exigindo a demissão do governo de Passos, não chegou sequer às 1500 subscrições. Se isto não é um sinal evidente de enfermidade democrática, não sei o que será.

Para Consumo da Causa | 23.Mar.2013