Há uns bons vinte anos, ele era o símbolo de tudo aquilo que não queríamos ver no poder. A candidatura de Freitas do Amaral à Presidência da República foi, sejamos claros, a última esperança dos velhos fascistas que ainda não se tinham adaptado à democracia.
O confronto entre Mário Soares e o Professor nas eleições presidenciais de 1986 foi marcado pela clarificação dos campos políticos que, bem ou mal, se afirmavam no terreno. E Soares, que começou a campanha apenas com o apoio de uma íntima fracção do PS, acabou por se sagrar Presidente, eleito pela Esquerda; ao passo que Freitas, apoiado em massa pelas forças da Direita, não conseguiu evitar a derrota na segunda volta.
Obviamente, nem Soares estava tão à esquerda como os votos finais pareciam indicar, nem Freitas era um salazarzinho em potência como podia parecer aos nosso olhos de então. O que estava em causa, afinal, não eram nem Soares nem Freitas, quer enquanto cidadãos, quer enquanto hipotéticos presidentes. O que se jogava nesse tempo eram as conquistas do 25 de Abril (ou seja: da Esquerda) que a Direita queria destruir, e acreditava poder fazê-lo se, após instalar-se em São Bento, fosse igualmente dominante em Belém.
Mas Freitas perdeu, e a onda revanchista que inevitavelmente se teria gerado caso tivesse ganho esmoreceu. Foi uma vitória da Esquerda contra a Direita, e foi também um triunfo da Maçonaria sobre a Igreja – uma história que, um dia, alguém há-de contar. O Professor manteve-se durante mais alguns anos à frente do partido que fundou em 1976 – o CDS, única força política a votar contra a Constituição democrática – mas acabou por se afastar quando os filibusteiros de Monteiro e Portas tomaram o poder interno.
Depois foi presidente da Assembleia Geral da ONU, e paulatinamente foi ganhando um estatuto suprapartidário: apoiou a eleição de Durão Barroso, mas opôs-se firmemente à invasão do Iraque pelos EUA, e nesse sentido tomou posição ao lado do PS, do PC e do Bloco; criticou o PSD e o CDS pela governação desastrada e escreveu a Sampaio para que não desse o governo a Santana; apelou ao voto no PS e enfrentou a tentativa de saneamento da administração da Caixa Geral de Depósitos que Bagão Félix sugeriu.
É claro que nada disto chega para fazer de Diogo Freitas do Amaral um homem de esquerda – estatuto que, de resto, ele nunca reivindicou – mas não deixa de ser curiosa esta evolução de um homem que chegou a ser apontado como o delfim de Marcelo Caetano, sobretudo quando confrontada com a dos antigos esquerdistas que nos últimos trinta anos se foram metodicamente aproximando da direita mais reaccionária.
Mas afinal é isto mesmo que distingue os homens entre si: enquanto uns se deixam guiar pelos sinais dos tempos e fazem tudo para estar de acordo com a mentalidade dominante, outros preferem esperar pelos sinais da História e agir em conformidade. Terá sido o que aconteceu com o Professor?
Diogo Freitas do Amaral é agora o ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de José Sócrates. Um ministro que é a «garantia de uma política externa à esquerda, e com respeito pelos valores fundamentais», segundo afirma o meu amigo João Soares. E o mais curioso é que é capaz de ter razão. Porque a direita portuguesa é o que é.
E Freitas está, pelo menos, muito à esquerda de Bush e dos seus gorilas polícias-do-mundo. Suspeito mesmo que o seu nome circule já nos memorandos da Casa Branca referenciado como pós-comunista, perigoso terrorista ou aliado da Al’Qaeda.
Mas isso é o menos. O enigma maior está em saber o que é que de facto mudou mais: se Freitas da direita para a esquerda ou se o resto do mundo da esquerda para a direita.
Publicado no blogue Para Consumo da Causa | 10.Mar.2005