Os vinhos anunciados estão longe de ser excepcionais, mas pelos vistos também não envergonham ninguém. Nem Zita Seabra, a antiga dissidente comunista reconvertida a bolseira da Jerónimo Martins - embora há muito se saiba que a vergonha não é um dos seus atributos. Ex-antifascista, ex-estalinista, ex-comungada e futura ex-neoliberal, a eclética e atlética figura ocupa agora o lugar de destaque na mais recente campanha publicitária do Pingo Doce.
A antiga dirigente comunista mostra assim que, apesar do que dizem as más línguas, não faz mais do que continuar a seguir os ensinamentos do extinto presidente da debelada União Soviética – pois não foi assim há tantos anos que Mikahil Gorbátchov nos revelou inauditos dotes de verdadeiro artista num anúncio da Pizza Hut.
Não é esta, aliás, a razão principal por que Zita Seabra pertence ao género sub-humano dos maleáveis, espécimes caracterizados por exibirem uma total falta de pudor aliada a uma aura de infinita competência em todas as áreas do saber.
Os mais velhos de nós, e muitos dos outros, lembram-se do empenhamento que teve na luta pela descriminalização da IVG, na década de 80 do século XX, e do à-vontade como, vinte anos depois, foi uma feroz opositora da sua liberalização.
Pelo caminho geriu o cinema português, cometeu alguns livros e publicou outros mais. Desempenhou o seu papel no circo da pequena política e foi devidamente recompensada. Cavaco até lhe deu uma ordem da liberdade. Só não deixou fruto que se visse.
No PCP ou fora dele, Zita Seabra nunca foi uma personagem que particularmente me interessasse. Mas tinha um passado honroso, assim pelo menos me foi dado apreciá-lo.
Quando se zangou e bateu com a porta porque afinal o sol da Terra não nascia em Moscovo, também não me impressionei. Como já tinha chegado a essa conclusão muitos anos antes, não dei grande valor à leva de perestroicos que por esses dias se gerou no PC: salvo algumas muito honrosas (e ainda assim bastantes) excepções, a maioria deles não era gente de bem.
Com Zita também não me enganei, e isto não chega sequer a ser um juízo de valor. Não estranho tanto a, eventualmente legítima, alteração radical do seu percurso de vida, mas sobretudo o modo como ela se envergonha agora do seu passado e tenta apagá-lo, da própria memória e da dos outros.
Esse é o destino dos «arrependidos», uma outra sub-espécie que para mal dos nossos pecados ocupa desde há muitos anos as posições de maior relevo da vida pública portuguesa.
Para Zita, pronto, pode ser o início de uma grande carreira vitivinícola. Os tempos vão de feição, que isto da maneira que anda só lá vai com alguma decilitragem. E o Pingo Doce é, tudo indica, a grande reserva de Zita.
Nazdrovia, então, que hoje paga a senhora.